terça-feira, 24 de abril de 2012

Sem título.


É fácil amar o outro quando o outro está contente. É fácil amar o outro quando sua conta bancária está no azul e tudo o que ele sabe dizer é “eu dou”, “eu faço”, “eu vou”.  É fácil amar o outro aparentemente inteiro, aparentemente estável. Que quando sofre não faz barulho, nem incomoda com seus gemidos. É fácil amar aquele que aprendeu durante a vida a usar uma máscara que o permite ter a mesma cara sempre; ao fechar um grande negócio ou ao perder aquele investimento. Aquele que passa a noite em claro, sozinho com seus problemas, mas que no dia seguinte está de pé, disposto e servil. É fácil amar aquele que se mostra sempre arrumado, de cabelo aparado e barba atualizada. É fácil amar o outro na mesa de bar, enquanto se conversa abobrinhas e a cerveja é gelada. É fácil amar o outro no churrasco de domingo, nas recepções extravagantes, enquanto o dinheiro e o whisky ainda não acabou. Difícil é amar quando o outro desaba, quando está descrente, quando perde o charme, a sedução. Difícil é permanecer ao seu lado quando parece que ninguém mais ficou, nem mesmo para limpar a sujeira ou catar os copos sujos espalhados na grama. Quando até o próprio espírito parece haver se retirado. Difícil é amar o outro quando já não encontramos motivos para justificar esse amor. Quando não sabemos notícias e a ausência nos inquieta. Difícil amar o outro quando ele parece ter desistido de você e principalmente dele próprio. Quando os seus medos denunciam os teus e põem em risco o propósito que você cultivou em não demonstrar fragilidade. Quando a exibição da sua fraqueza expõe, de alguma forma, também a tua. Quando o seu pedido de ajuda, não chega até você. Quando você se sente inútil. Difícil é amar o outro que permite, que sua estupidez o impeça de caminhar ao seu encontro. Difícil é amar o outro que repete aquela mesma ação que sabe que irá te magoar e, por mais que você se esforce, não consegue entender o por que. Difícil é amar aquele que se tranca na própria solidão, ainda que acompanhado. Que convive com a indiferença, com o aparente conforto de quem mora à beira-mar. Que sua autoestima se torna tão pequena a ponto de não acreditar num elogio. Difícil é amar quem não acostumou a ser amado.

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