É fácil amar o outro
quando o outro está contente. É fácil amar o outro quando sua conta bancária
está no azul e tudo o que ele sabe dizer é “eu dou”, “eu faço”, “eu vou”. É fácil amar o outro aparentemente inteiro,
aparentemente estável. Que quando sofre não faz barulho, nem incomoda com seus
gemidos. É fácil amar aquele que aprendeu durante a vida a usar uma máscara que
o permite ter a mesma cara sempre; ao fechar um grande negócio ou ao perder
aquele investimento. Aquele que passa a noite em claro, sozinho com seus problemas, mas que no dia seguinte
está de pé, disposto e servil. É fácil amar aquele que se mostra sempre
arrumado, de cabelo aparado e barba atualizada. É fácil amar o outro na mesa de
bar, enquanto se conversa abobrinhas e a cerveja é gelada. É fácil amar o outro
no churrasco de domingo, nas recepções extravagantes, enquanto o dinheiro e o whisky
ainda não acabou. Difícil é amar quando o outro desaba, quando está descrente,
quando perde o charme, a sedução. Difícil é permanecer ao seu lado quando parece
que ninguém mais ficou, nem mesmo para limpar a sujeira ou catar os copos sujos
espalhados na grama. Quando até o próprio espírito parece haver se retirado. Difícil
é amar o outro quando já não encontramos motivos para justificar esse amor. Quando
não sabemos notícias e a ausência nos inquieta. Difícil amar o outro quando ele
parece ter desistido de você e principalmente dele próprio. Quando os seus
medos denunciam os teus e põem em risco o propósito que você cultivou em não
demonstrar fragilidade. Quando a exibição da sua fraqueza expõe, de alguma
forma, também a tua. Quando o seu pedido de ajuda, não chega até você. Quando
você se sente inútil. Difícil é amar o outro que permite, que sua estupidez o impeça de
caminhar ao seu encontro. Difícil é amar o outro que repete aquela mesma ação
que sabe que irá te magoar e, por mais que você se esforce, não consegue entender
o por que. Difícil é amar aquele que se tranca na própria solidão, ainda que acompanhado. Que convive com a indiferença, com o aparente conforto de quem mora
à beira-mar. Que sua autoestima se torna tão pequena a ponto de não acreditar
num elogio. Difícil é amar quem não acostumou a ser amado.
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