Hoje (ontem) felizmente cheguei ao trabalho no horário. Confesso que tive medo, pois toda segunda-feira meu “mototaxi particular” apronta uma.
Depois do roubo de Morango, tenho ido pro trabalho de mototaxi, mas o castiço quase todos os dias se atrasa. E com isso vou gastando a porcaria do crédito do meu celular rastreando o infeliz. Segunda-feira passada foi ainda pior, ele sumiu e sequer deu sinal. Quando resolvi telefonar o belo atendeu com voz de ressaca dizendo que o rolamento da moto havia quebrado. E Kiko? Justo na segunda-feira, dia que minhas articulações e neurônios estão pegando no tombo? Pois é, tive que subir a maldita ladeira que dá acesso ao ponto de ônibus para pegar a miséria do vermelhinho (leia-se, buzão do CAB).
O pior é que chovia e a ladeira estava escorregadia. Subi e cheguei no ponto de ônibus suada, irritada e com pensamentos maléficos. O ponto estava lo-ta-do, sinal que aquela geringonça velha estava atrasada. Logo comecei a imaginar como caberia aquele mundaréu de gente lá dentro. Havia senhoras com guarda-chuvas ensopados, alguns estudantes conversando, ou melhor, berrando uns com os outros e uma família cheia de sacolas, caixas e um carrinho de bebê. Pedi a Deus que o motorista parasse próximo, assim, quem sabe, poderia encontrar um assento e controlar minha vontade de bater nas pessoas até tirar sangue. Mas como nada é tão ruim, que não possa piorar (já dizia meu amigo Emmanuel) o infeliz do motorista parou longe como a porra. Logo os desesperados correram em direção ao coletivo, uns tentando entrar pela porta da frente enquanto outros corriam para a porta de trás. Oh povinho sem noção, viu? Não esperam nem os passageiros descer do ônibus e já vão se engalfinhando, tentando subir pela mesma porta... mas isso ainda não é o pior. Vida que segue (eu atrasada e doida para chegar ao trabalho), ainda fui em pé, espiando a “família” se acomodar. Primeiro subiu uma senhora, que acomodou “os menino” no corredor do buzú. Todos berravam ao mesmo tempo, o que fazia o bebê chorar copiosamente no colo de outra senhora. Havia ainda mais quatro crianças, entre três e oito anos. Enquanto isso um homem negro, forte, tentava ajeitava as caixas, sacolas e o carrinho do bebê no corredor. Claro que ele ocupou todo espaço comum, fazendo com que os passageiros (inclusive eu) fizéssemos uma verdadeira ginástica para descer do coletivo. Eu observava incrédula, pensando no que mais poderia me acontecer. Coloquei o fone do celular e fui ouvindo Charlie Brown Jr., pra ver se me acalmava. Fui abruptamente resgatada dos meus pensamentos quando avistei meu ponto. Desci e acompanhei com um olhar seco o ônibus partir. Fiquei aturdida por alguns instantes e me sentei num banco qualquer no ponto. Fiquei ali, inerte, pensando na minha vida e na vida daquelas pessoas. Desisti de querer tirar-lhes o sangue. Por um momento até me compadeci. Percebi que não devia ter raiva daquelas pessoas (ainda que mal educadas), pois a vida fizera com que elas fossem assim. Podia mesmo suas vidas ter sido diferente?
Depois fiquei pensando na esquisitice da minha conclusão, reparando em tudo e pensando apenas "que merda". Eles deviam certamente estar no lugar deles. Carregam coisas no ônibus e não acham nada de mais, apenas, talvez um pouco cansativo. A "errada" sou eu, eu que não tinha que estar naquele coletivo partilhando o cotidiano com eles. A miserável nesta história sou eu, que moro numa cratera, incrustada num mar de favelas na puta que o pariu, onde só se tem acesso por meio de duas ladeiras infelizes, no final de uma avenida onde sequer passa uma porcaria de um coletivo xexelento. Pensei no esforço que impunha diariamente para viver com honestidade, com dignidade e o mínimo de conforto. Pensei no tempo gasto com os estudos, no dinheiro investido e nas oportunidades que tive. Realmente me compadeci daquelas pessoas, mas me compadeci também de mim. Sim, estou me lamentando, e daí? O que tem demais nisso? Você anda de buzú todos os dias? Você sobe ladeira todo santo dia? Morre, Diabo!!! Por acaso aumenta a alíquota dos meus impostos se eu me lamentar?
Eu sim, podia estar fazendo comparações ou me foder ainda mais de trabalhar para mudar o que faltava conquistar (prefiro esta última) e o que havia perdido. Talvez, aquelas pessoas sim é que são felizes! Já devem estar acostumadas a andar de ônibus. Não devem nem saber dirigir um carro, quiçá pilotar uma moto. Taxi também deve ser algo inusitado.
Eu é que tinha que me preocupar com a minha vida. Eu sim, não sabia andar de coletivo. Já havia (inclusive) passado de cair algumas vezes e já observara pessoas rindo da minha falta de habilidade em me equilibrar naqueles ferros. Eu sim, é que tinha e tenho que mudar de vida, néam?
Nota da autora: Feliz de quem nunca andou (e não precisa) andar de ônibus. E ainda tem dondoca (e Mauricinho) que acha que a vida é difícil! Humpf.
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